A crise do coronavírus parece ter gerado um efeito dominó no segmento de cafés de excelência. O fechamento das cafeterias afetou em cheio as microtorrefações. Neste momento, elas avaliam se terão recursos para comprar cafés da nova safra, o que também impacta o produtor.  Empresários do segmento, no entanto, se mobilizaram e criaram uma série de iniciativas solidárias, como destaca nesta entrevista Paulo André Kawasaki, responsável pela comunicação da BSCA, Associação Brasileira de Cafés Especiais.

O objetivo é incentivar o consumo de cafés especiais, ampliar o alcance do produto neste momento de crise do coronavírus e gerar receita suficiente para que os estabelecimentos ganhem fôlego até a reabertura e “normalização” do mercado. Confira o texto a seguir ou ouça abaixo uma versão enxuta da entrevista em áudio.

 

Como a crise do coronavírus está afetando o segmento de cafés especiais, composto por micro e pequenas empresas de torrefação e cafeterias?

Paulo André Kawasaki: De maneira bem devastadora. Esses estabelecimentos tiveram que fechar suas portas em função dos decretos governamentais para evitar a propagação do novo coronavírus. Houve um impacto significativo na receita desses empresários. Um levantamento feito pela BSCA com seus associados dessas categorias apontou queda média de 76,25% na receita dos estabelecimentos. Vários deles tiveram perda total: não possuem mais receita diante do cenário de isolamento social e fechamento de suas portas.

Qual o fôlego desses negócios e o impacto na cadeia produtiva?

Paulo André Kawasaki: Nessa consulta da BSCA, 70% das microtorrefações e cafeterias independentes informaram que, se o cenário não começasse a voltar à normalidade em maio, não teriam como comprar os cafés da nova safra, que começam a chegar em maior volume em junho ao mercado. O segmento não trabalha com grandes estoques. Isso significa que esses empresários terão dificuldade para fazer novas aquisições por causa dessa redução nas vendas. Por serem pequenos negócios e voltados à excelência dos cafés, muitos já se preocupam com o futuro. Eles acreditam que, se o fechamento das lojas permanecer, seus negócios dure, no máximo, dois a três meses.

Um comentário frequente em relação ao consumo de cafés de excelência é que depois que você os experimenta, não consegue voltar a tomar cafés “comuns”. Essa fidelização é um trunfo para as microtorrefações. Pivotar temporariamente o negócio durante a crise do coronavírus para vender também ao público final é uma alternativa?

Paulo André Kawasaki: O recorte temporal é curto. Não é possível uma guinada significativa nos negócios pela necessidade de planejamento. Há exemplos de microtorrefações que já vendiam diretamente ao consumidor final, assim como há aquelas que mantém seu fornecimento a cafeterias.

A Isso é Café é um exemplo solidário nesse momento. A torrefação criou a “Tem que Ter Café – TQT”. Nesta ação, o lucro da venda de pacotes de cafés criados exclusivamente para cada cafeteria parceira é repassado para elas. Isso tem ajudado a torrar o estoque, o que permite pagar os funcionários e produtores fornecedores, além de gerarem ingresso de recursos nesse momento de portas fechadas às cafeterias.

A venda online já era muito utilizada pelas microtorrefações ou tiveram de se adaptar com a chegada do coronavírus? Que participação o comércio eletrônico tem no faturamento das microtorrefações?

Paulo André Kawasaki: As microtorrefações que não fecharam totalmente, mantiveram o atendimento por e-commerce e delivery. Mas esse impulso da internet não compensa as perdas ocasionadas pelo fechamento das lojas físicas, até pelo fato de as cafeterias também estarem fechadas. Esse cenário gerou a antecipação de férias, utilização da redução de jornada e salários concedida pela MP 936 e, infelizmente, demissões.

Como são empreendimentos muito díspares, não conseguimos mensurar a participação do comércio eletrônico no faturamento. Se existem microtorrefações que trabalham 100% online, há outras cujas vendas por meio eletrônico representam apenas 1% da receita.

Uma ação que tem o apoio da BSCA é o projeto Cafeterias Vivas, desenvolvida pela loja virtual Café Store (https://www.cafestore.com.br/) em parceria com a revista Espresso. Por meio desta ação, mesmo as marcas que não fazem parte da plataforma podem colocar seus cafés ali à venda, fugindo do processo burocrático e dos gastos que teriam ao criar seu próprio site ou se cadastrar em algum aplicativo de entrega, além de se beneficiar do alcance que a loja online possui em todo o Brasil.

Nesse momento de grande desafio, essa é uma maneira de contribuir para que cafeterias, microtorrefações e suas marcas de café tenham acesso a uma solução rápida no e-commerce para manter rodando parte da sua operação, além de levar os cafés para todo o Brasil.

E o delivery, têm trazido bons resultados para as microtorrefações?

Paulo André Kawasaki: O delivery é uma forma de agregar valor ao negócio. No entanto, ainda não responde por fatia significativa da receita. Até por isso esses estabelecimentos vivem esse momento tão delicado diante da necessidade de isolamento social e fechamento do comércio.

Que outras alternativas estão sendo criadas neste momento em que se busca a sobrevivência dos negócios?

Paulo André Kawasaki: Além das iniciativas “Tem que Ter Café – TQT” e “Cafeterias Vivas”, há também o “Grão Coletivo”. Este projeto surgiu com um grupo de cafeterias discutindo ações de contingência diante da crise causada pela pandemia. O objetivo é divulgar micro e pequenos negócios, em especial cafeterias, suas ações, promoções e trabalho e, principalmente, incentivar o consumo de cafés especiais, a fim de salvar e restabelecer o fluxo de caixa dos estabelecimentos diretamente impactados pela crise do coronavírus.

A criatividade solidária como alternativa também ocorre em lives nas redes sociais, como o exemplo do movimento #vivacafe. Para ajudar as cafeterias, essa iniciativa realiza transmissões para trazer informações e conteúdo relevante ao negócio. O objetivo é informar, instruir e educar sobre negócios, cenário atual, ações com clientes e colaboradores, saúde mental e financeira.

Além disso, para tentar contribuir com esses seus associados, a BSCA gerou um link para que possam conhecer o trabalho de excelência que desenvolvem e seus cafés especiais, disponíveis para aquisição: www.bit.ly/3c1rUVo.

Quais as principais mudanças nos hábitos do consumidor na “volta” ao mercado? Como isso impacta a venda de cafés especiais?

Paulo André Kawasaki: Certamente o cenário pós-pandemia do coronavírus trará diversas mudanças ao mundo relacionadas a hábitos de consumo. Contudo, ainda é cedo para tentarmos prever. É provável que as aquisições pela internet se situem em um nível superior ao atual. Quanto às cafeterias, creio que, à medida que o cenário sanitário for se normalizando, o movimento deve permanecer. Muitas são as pessoas que optam pela experiência de degustar um café excepcional no ambiente da cafeteria. E isso já pode ser visto com a reabertura gradual de na Europa.

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