Horas e horas dedicadas à elaboração da receita, escolhendo os ingredientes da cerveja, fazendo os controles de tempo e acompanhando as diversas etapas envolvidas no processo... Mas, na hora de degustá-la, a decepção: ela surge com uma cor estranha, sem espuma e gosto azedo. A contaminação das cervejas pode ocorrer por uma série de motivos, por isso, é importante que toda cervejaria conheça profundamente os processos microbiológicos e de vigilância sanitária em cervejarias (assepsia) para saber onde estão escondidos os riscos que podem levar diretamente para o ralo litros e litros de produção – ou, em casos em que a contaminação não for percebida, poderá, eventualmente, causar danos à saúde de quem consumir o produto e impactar negativamente a reputação do empreendimento.

As perdas econômicas dependem do estilo de cerveja produzido (entram aqui os insumos para cerveja), seu custo de produção e valor de venda. De acordo com especialistas de mercado, o prejuízo para mil litros descartados de chope é de cerca de R$ 15 mil.

Para minimizar esse risco, o primeiro passo é escolher equipamentos de produção que sejam bem construídos e operados, a fim de evitar que falhas no projeto e na estruturação dificultem o processo de limpeza. É importante conhecer os conceitos de higienização e sanitização na indústria de alimentos e bebidas e a diferença entre eles. Higienização é a limpeza do espaço e dos equipamentos da cervejaria, eliminando pó, microrganismos e materiais orgânicos e inorgânicos. Já a sanitização surge como sinônimo de desinfecção, eliminando bactérias e microrganismos em níveis insignificantes. O passo seguinte é conhecer processos, frequência indicada e alertas que podem auxiliar nas ações ligadas à vigilância sanitária em cervejarias.

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Listamos cinco perguntas frequentes sobre vigilância sanitária em cervejarias e as respectivas respostas. Confira:

1 – Quais são as alterações que uma cerveja contaminada apresenta?

Uma cerveja contaminada microbiologicamente apresenta alterações visuais e sensoriais (aroma e sabor). A espuma pode desaparecer ou ser mais densa que o normal. A cerveja pode ficar turva, apresentar mau cheiro, gosto estranho, viscosidade diferente e trazer sedimentos. “Pode haver uma alteração na cor, deixando-a mais clara, e a carbonatação, que é a presença de gás carbônico, pode ficar mais intensa e agressiva”, explica Matthias Rembert Reinold, mestre cervejeiro diplomado (Diplom-Braumeister), formado pela Universidade Técnica de Berlim, na Alemanha, e que já soma mais de 40 anos de profissão.

Fabricio Palagi, diretor de operações da Palenox, fabricante de equipamentos para cervejarias, lembra que é frequente ouvir comentários de que determinada cerveja é mais azeda, como se fosse uma característica do rótulo, quando é um indicativo de contaminação. Dentre as falhas decorrentes da falta de equilíbrio entre os ingredientes da cerveja, estão o gosto proeminente de manteiga, cítricos, milho, repolho, grama ou sabor metálico.

2 – Qual ingrediente pode apresentar risco de contaminação?

“Todo ingrediente utilizado na produção da cerveja pode ser um vetor de contaminação”, esclarece Reinold. “Ao selecionar uma matéria-prima ou ingrediente, é importante verificar em que fase do processo será adicionada(o) e se pode representar uma ameaça potencial.” Ingredientes como frutas in natura, por exemplo, podem contaminar a cerveja com leveduras selvagens e bactérias estranhas ao processo. “Geralmente, bactérias patogênicas não sobrevivem na cerveja devido à presença de álcool, gás carbônico e lúpulo, mas é fundamental escolher bem os insumos para cerveja.”

3 – Onde estão concentrados os riscos de contaminação?

Os maiores riscos ocorrem na “etapa fria” do processo de produção. “A partir do resfriamento do mosto, há um aumento substancial da vulnerabilidade da cerveja no que se refere à contaminação microbiológica. Ou seja, desde a saída do trocador de calor de mosto até o produto envasado (sem pasteurização) ou embarrilado”, explica Reinold.

Willian Santana Vilela, mestre cervejeiro e líder técnico-comercial Brasil da Diversey para o segmento de bebidas, concorda que o risco na área fria é potencializado, por isso a frequência e os critérios de limpeza são maiores. “É preciso ter controles de limpeza e desinfecção nas cervejarias. Os microrganismos podem se desenvolver nas tubulações e se instalar no ambiente. Qualquer exposição do líquido gera preocupação. Quando se abre o tanque, é necessário ter cuidado com as mãos e no contato com os equipamentos, e sempre utilizar toucas e máscaras. Quanto mais higiene, maior o frescor e o tempo de prateleira do produto”, explica ele, destacando a importância de ações de vigilância sanitária em cervejarias.

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4 – Qual a frequência da limpeza e quais produtos devem ser utilizados para manter a vigilância sanitária em cervejarias?

O primeiro uso da cervejaria requer um tratamento específico chamado passivação. Trata-se de uma limpeza na superfície do aço inox presente nos equipamentos da cervejaria, uma limpeza alcalina a quente que remove as sujidades de origem orgânica (resíduos resultantes do processo de fabricação dos equipamentos), seguida de uma limpeza ácida (geralmente com ácido nítrico) que cria uma camada de óxido (de cromo) sobre a superfície do inox, protegendo-o contra corrosão. Essa limpeza alcalina a quente depende da geração de vapor, que acontece via utilização do gás GLP como fonte de energia.

Willian Vilela, da Diversey, que desenvolve produtos químicos para a limpeza de microcervejarias, recomenda que a limpeza CIP (Clean in Place) da área quente seja realizada uma vez por semana (com produto alcalino quente) e a da área fria, após cada utilização (com produto alcalino com água em temperatura ambiente seguido por aplicação de ácido peracético). “Para o correto processo de limpeza CIP, é importante consultar um especialista, que poderá dar as orientações quanto à temperatura, ação mecânica (vazão e pressão), tempo e concentração dos produtos.”

Matthias Reinold lembra ainda da importância da limpeza para retirada da pedra cervejeira que gruda na parede dos equipamentos conforme o uso. Esse processo deve ocorrer a cada três meses, em média, para evitar a presença de microbactérias.

5 – Quais os cuidados necessários com as embalagens?

É fundamental que barril, garrafas e latas passem por um rigoroso processo de assepsia e fiquem armazenados em locais igualmente limpos. No caso de envase de garrafas, o processo tem de ser extremamente ágil para evitar a contaminação com microrganismos presentes no ambiente. As garrafas devem ser limpas com uma solução de ácido peracético, virada ao contrário para escorrer, receber o produto e ser tampada imediatamente – a tampa também é higienizada previamente (com álcool 70%, em geral).

A limpeza rigorosa é um dos principais pontos de atenção para donos de cervejarias, porque dela depende o sucesso do negócio. A contaminação é um dos grandes fantasmas para quem atua neste nicho. Fabricio Palagi, da Palenox, brinca que o cervejeiro gasta 85% do tempo limpando, 10% estudando e 5% fazendo cerveja, em referência à importância do rigor nos procedimentos de vigilância sanitária em cervejarias.

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