As ghost kitchens não são exatamente uma novidade no segmento de food service, mas é inegável que ganharam muita relevância nos últimos meses. A chegada da pandemia forçou os restaurantes a fechar suas portas e a repensar operação e modelo de negócio e de relacionamento com o público. 

O delivery foi o caminho escolhido por muitos deles, que só então tiveram a oportunidade de entender como o formato carrega consigo uma feroz concorrência e margens de lucro reduzidas. Em decorrência dessa nova percepção, os estabelecimentos buscaram otimizar o negócio para amplificar sua competitividade, reduzindo custos e ampliando eficiência. E é essa a lacuna que as ghost kitchens prometem preencher.

De volta ao conceito: ghost kitchens são cozinhas voltadas exclusivamente para o serviço de delivery: não contam com garçons, fachadas, salões amplos ou decoração. A operação é otimizada, com estrutura e equipe preparadas para produzir e entregar alto volume em um curto espaço de tempo e eventualmente para mais de uma marca. 

De acordo com um relatório de inteligência de mercado da consultoria Euromonitor, é um nicho de U$ 1 trilhão até 2030 que irá “roubar” espaço dos sistemas de refeições prontas e de drive-thrus, por exemplo. Em reportagem publicada recentemente, a revista New Yorker classificou as ghost kitchens como "um modelo de negócio que parecia ser apenas secundário e agora desponta como o futuro dos restaurantes no mundo pós-COVID-19". 

Perfil

Mas, afinal, quais perfis de empresário e de estabelecimento se encaixam no modelo de ghost kitchens com mais chances de sucesso? Para entender melhor o formato, ouvimos dois especialistas e um empresário. Ricardo Garrido é sócio-fundador da Cia. Tradicional de Comércio, rede de bares e restaurantes composta por 38 casas de marcas, como Pirajá, Astor, Bráz, ICI e Lanchonete da Cidade. Célio Salles é membro do Conselho de Administração Nacional da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), especialista em delivery e empresário de varejo de alimentos desde 1992. E Fernando Augusto Silva é empresário do ramo de alimentação em Natal, Rio Grande do Norte, há 12 anos. 

Na avaliação de Célio Salles, é um mercado para especialistas, e não para iniciantes. “Para que o negócio seja altamente eficiente, é preciso dominar o jogo, já conhecer o mercado de alimentação fora do lar, os cálculos de CMV (custo de mercadoria vendida).” 

Para Ricardo Garrido, as ghost kitchens fazem sentido “para um tipo de marca de gastronomia em que a experiência vivencial física é menos relevante. Esses têm maior possibilidade de só existir por meio do delivery”, explica. Ou seja, um restaurante mais sofisticado, com menu degustação e serviço de harmonização complexo, oferece uma experiência que continua fazendo sentido no presencial. No caso de produtos mais simples, como sanduíche, hambúrguer ou pizza, faz sentido que marcas criem opção apenas de entrega em domicílio, sem necessariamente ter ambiente físico para receber o consumidor final.

Escolha do ponto e formação da equipe

Há diferenças importantes em relação a um restaurante tradicional na hora de montar o negócio. A primeira delas está relacionada à escolha do ponto: é preciso priorizar a logística de entregadores e escolher um lugar com alta densidade, mas tendo em mente que os imóveis podem ser menores e não precisam estar em locais nobres, em endereços “da moda”. 

A segunda diferença diz respeito à equipe: a quantidade de funcionários contratados é menor, o que também gera redução de custos. É preciso, no entanto, que todos sejam treinados para garantir uma repetição de qualidade em um curto espaço de tempo. 

Uma terceira diferença, que pode ser encarada como vantagem, é o fato de que uma ghost kitchen poder produzir para mais de uma marca, inclusive usando um único CNPJ. O empresário Fernando Augusto Silva, por exemplo, está abrindo uma ghost kitchen que atenderá quatro marcas – uma de hambúrguer e as outras três dedicadas a pizzas e massas, cada uma com diferentes especialidades e faixas de preço. Uma delas já existe fisicamente há 12 anos e o ajudará a divulgar as demais, todas novas, que já nascem no formato de ghost kitchen. 

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Cardápio

A montagem do cardápio é parte importante do sucesso de uma marca que funciona no formato ghost kitchen. “O delivery funciona melhor no caso de pratos de rápido preparo, que não demandam finalização e que sobrevivem bem à entrega”, adverte Célio Salles. 

A criação de um cardápio inteligente também facilita a operação, porque trabalhar com menor variedade de insumos aumenta o giro e facilita o gerenciamento do estoque. Da mesma forma, facilita a padronização das entregas, com todos os colaboradores reproduzindo as receitas exatamente da mesma forma. 

Ghost kitchens: vocação ou retaguarda? 

A grande novidade, na avaliação de Ricardo Garrido, é o surgimento de marcas que já estão nascendo nesse formato. Já são criadas como centro de produção e despacho, sem qualquer plano de receber cliente final. 

É diferente do que vinha acontecendo nos últimos anos, em que as ghost kitchens eram criadas como ponto adicional para aliviar a produção da cozinha do restaurante físico, sobrecarregada, acumulando pedidos do salão e do delivery, ou como modelo de negócio alternativo, quando havia dúvida sobre a viabilidade financeira de manter o salão. 

Possibilidades

As próprias casas de Garrido ajudam a exemplificar as possibilidades. “Temos há mais de 20 anos ghost kitchens da marca Bráz, que nasceu como salão, mas evoluiu para ter também um serviço de entrega tão forte que alugamos imóveis focados na produção e entrega.” 

Neste caso, existe a vantagem de não precisar ter localização sofisticada, com visibilidade e grande tráfego de clientes. Podem ser imóveis com custo de localização mais baixo para investir na racionalidade logística, com operação, fluxo e layout totalmente voltados para processos de cocção e entregas. “São espaços inteligentes em que não precisamos nos preocupar com a experiência do cliente.” 

Durante a pandemia, a Cia. Tradicional do Comércio também investiu na transformação do espaço de alguns restaurantes, que estavam fechados, em centros de produção de múltiplas marcas e cardápios. “O ICI Brasserie entregou seus pratos e também os do Astor e da Bráz Trattoria. 

As ghost kitchens, como aponta Célio Salles, também podem nascer quando o fluxo do delivery fica intenso demais e clientes e entregadores passam a travar uma disputa para ocupar o mesmo espaço. Além disso, é uma forma de os restaurantes levarem suas produções para outras regiões, conseguindo escalar o negócio. 

“Enxergo uma estratégia coordenada de juntar os dois modelos que podem beneficiar marcas já consagradas a fazer uma expansão mais racional dentro de um território. Essas marcas podem, por meio de ghost kitchens, construir novos espaços dedicados à produção e entrega em bairros, regiões e cidades em que não compense ter um restaurante completo, mas faça sentido ter operação de entrega em domicílio. Permite ganhar escala por meio de um crescimento mais simples”, aconselha Garrido. 

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Desafio de ser apenas digital 

Célio Salles alerta para a importância de um investimento constante em marketing. “No caso das ghost kitchens não há cliente na porta do estabelecimento ou passeando pela região. Isso demanda uma atuação fortíssima nas redes sociais e nos aplicativos de entrega para que marca esteja sempre no radar dos consumidores.” 

Fernando Augusto Silva compartilha do mesmo entendimento. Em sua opinião, além do investimento ser mais alto e contínuo, existe uma dificuldade em gerenciar várias marcas nas redes sociais. É preciso conhecer muito bem a persona-alvo de cada uma das marcas. “Já fiz um planejamento intenso de marketing para os seis meses iniciais de operação”, comenta o empresário. Ele aposta nas ghost kitchens para retomar o ponto de equilíbrio do seu negócio. 

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