O segmento de bares e restaurantes foi duramente afetado pela crise do coronavírus: alguns já anunciaram seu fechamento, e a estimativa da Abrasel é de que 20% dos estabelecimentos não voltem ao mercado. Na análise da associação, a recuperação no momento de reabertura dos mercados deve ocorrer lentamente, com faturamento girando em torno de 30% no primeiro mês e chegando a 90% em dezembro de 2020.

Nesta entrevista, conversamos com Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, sobre as adaptações necessárias para o momento do retorno de bares e restaurantes após a crise do coronavírus, iniciativas para conquistar a confiança do público e para garantir a convivência saudável entre equipe e clientes, alternativas para compensar a queda de faturamento decorrente da redução de mesas nos salões como resposta à necessidade de distanciamento, estruturação de sistemas de delivery e take out e também sobre os impactos que a queda do poder aquisitivo da população deve gerar neste segmento. Confira o texto a seguir ou ouça abaixo a entrevista.

Como a crise do coronavírus está afetando os restaurantes?

Paulo Solmucci: O setor de bares e restaurantes foi um dos mais afetados pela crise. Antes mesmo do fechamento do comércio nas principais cidades, as vendas já vinham caindo em função do comportamento cauteloso do consumidor. Esta quarentena, que em alguns lugares já chega a 70 dias, deve fazer com que 20% dos restaurantes não voltem ao mercado.

Nos locais onde já houve a reabertura, como Santa Catarina, o retorno tem sido lento: abre com 5% a 10% de faturamento e começa a crescer ao longo do mês, chegando a 30%. É um cenário desafiador.

Nossa visão é que o mercado como um todo chegue ao final do ano 10% menor do que estava antes da crise. Como muitos não reabrirão, a gente espera que a situação se normalize para aqueles que ficarão de portas abertas e que o mercado, mesmo menor como um todo, possa, a partir de dezembro, se manter igual ao que era antes para cada operador que sobreviver.

Existe um grande debate sobre qual o futuro dos buffets, livres ou por peso, e dos rodízios, sistemas que fazem sucesso no Brasil, depois do coronavírus. Que futuro você vislumbra para esse modelo de negócio?

Paulo Solmucci: Não haverá o fim da comida a quilo. Em 20 de maio, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos declarou que o coronavírus não se espalha facilmente por tocar superfícies ou objetos, como embalagens de alimentos e maçanetas. OMS [Organização Mundial de Saúde] e Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] já deixaram claro que o coronavírus não se propaga por meio da comida. Nenhum país mudou as regras de segurança dos alimentos. Não creio que precisaremos promover mudanças radicais nos buffets e rodízios.

Mas neste primeiro momento, infelizmente, como ainda há muita incerteza, a legislação dos locais que já estão reabrindo os restaurantes tem pedido a proteção total dos alimentos, além de uma pessoa servindo. Nós, da Abrasel, achamos um exagero, mas talvez seja o novo normal. É um exagero porque a partir do momento em que a comida não é meio de contaminação do coronavírus, o risco é menor do que se pensava. É o mesmo de antes, com os quais bares e restaurantes já lidavam.

O grande desafio agora são as nossas mãos e a convivência entre pessoas no ambiente.

O grande desafio agora são as nossas mãos e a convivência entre pessoas no ambiente. É preciso garantir o afastamento de um metro entre elas. Queremos que haja uma mesma regra para todo o Brasil, porque se forem dois metros de distância a retomada fica inviável.

Com todos fazendo a higienização das mãos logo ao chegar no ambiente, o risco estaria na hora de servir. Na colher, nos utensílios, mas não no alimento. Os estabelecimentos mais estruturados estarão em condições de fazer esses investimentos para se adaptar [proteção e funcionário no buffet manuseando os utensílios e servindo], mas a grande maioria não estará.

O que a gente enxerga falando com as autoridades é que o uso de luvas descartáveis ou de um guardanapo para manusear os utensílios já seria suficiente para evitar contaminação por coronavírus. O desafio é acalmar o consumidor, que voltará exigindo mais transparência. Temos de tomar cuidado para fazer um retorno equilibrado, sensato. Senão vamos reabrir, o público não virá e os restaurantes não terão recursos pra investir.

Temos de tomar cuidado para fazer um retorno equilibrado, sensato. Senão vamos reabrir, o público não virá e os restaurantes não terão recursos pra investir.

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E quanto à convivência entre as pessoas dentro dos estabelecimentos?

Paulo Solmucci: Será preciso garantir que só vá trabalhar quem estiver saudável, sem sinal de tosse ou gripe e fazendo a medição de temperatura. Outro ponto é a relação do funcionário com o consumidor. Recomendamos o uso de máscaras e a manutenção da distância. Em alguns momentos, no entanto, haverá necessidade de aproximar a mão na hora de levar o prato à mesa.

É importante destacar que as pessoas que estiverem juntas em uma mesma mesa provavelmente já estarão convivendo em casa ou no trabalho, então entre elas o risco [de contaminação pelo coronavírus] é o mesmo. Vejo imagens circulando de mesas com barreiras acrílicas que parecem redomas e acho que isso só vale para quem se senta à mesa com alguém que não conhece. Aí a recomendação é ou não dividir a mesa ou utilizar proteção física.

Também é importante evitar o contato das mãos com peças de utilização dos bares e restaurantes, como os cardápios. A Abrasel recomenda o uso de lousas e versões físicas plastificadas para serem higienizadas após cada uso. Além disso, que que sejam disponibilizadas versões digitais via QR code. O ideal é um misto dos três, para atender todos os perfis.

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O distanciamento entre pessoas/cadeiras leva à menor ocupação do salão e à consequente redução do faturamento. Quais as alternativas para compensar essa perda?

Paulo Solmucci: O distanciamento de um metro entre as pessoas vai levar à redução da capacidade do salão à metade. Ou a um terço, no caso de São Paulo e Rio de Janeiro. O aluguel dos imóveis é alto e os estabelecimentos aproximam as mesas para aproveitar o espaço. Um dos pleitos que a Abrasel tem levado às prefeituras é de permitir o uso de calçadas sem custo adicional. Respeitando-se, claro, o espaço necessário para passagem do cidadão. Este uso pode compensar parte da redução do número de mesas no espaço interno.

Um dos pleitos que a Abrasel tem levado às prefeituras é de permitir o uso de calçadas sem custo adicional.

Outra sugestão que precisamos sugerir às empresas é de escalonar o horário de saída para o almoço. Saídas às 11h30, 12h15 e 13h, por exemplo. Isso permite atender a todos dentro do padrão de segurança e compensar a redução de lugares no espaço interno.

O delivery é uma boa alternativa? Para que perfil de restaurante funciona ou não? É hora de estruturar um delivery mais robusto pensando na mudança de hábito do consumidor? Há quem fale em novas quarentenas até a chegada da vacina contra o coronavírus.

Paulo Solmucci: O delivery é muito importante, um mercado que cresce. Hoje temos uma grande parcela de operadores de bares e restaurantes que já usam o delivery como atividade econômica complementar. O salão pagava as contas e o delivery gerava 10% a 15% de faturamento. Na crise do coronavírus, o delivery continuou gerando 10% a 15%, porque houve um aumento na procura, mas também na oferta de restaurantes que antes não ofereciam a modalidade. Então não houve aumento de faturamento para cada um. Muitos restaurantes não conseguiram viabilizar o serviço porque não conseguem bancar os custos fixos sem os ganhos do salão.

O salão pagava as contas e o delivery gerava 10% a 15% de faturamento. Na crise do coronavírus, o delivery continuou gerando 10% a 15%, porque houve aumento na procura, mas também na oferta de restaurantes que antes não ofereciam a modalidade.

Agora é hora de analisar se vale a pena incluir novos modelos de serviço ao negócio. A realidade do empresário de cada localidade é que vai guiar decisão do empresário. Nos Estados Unidos, por exemplo, o take out é muito mais comum que o delivery [10% a 15% x 2% a 3%, dados de antes da crise do coronavírus]. É preciso checar onde faz sentido investir, quais as ferramentas necessárias, como fazer a gestão da cozinha, do cliente e logística.

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Vai haver uma perda do poder aquisitivo da população. É mais um impacto que bares e restaurantes devem prever, certo?

Paulo Solmucci: O cenário que a Abrasel tem sugerido para o planejamento de bares e restaurantes na retomada é de que no mês de retorno haverá um faturamento de 20% a 30% com aumento gradativo mês a mês chegando a 90% em dezembro. A renda do brasileiro cairá como média e isso certamente será um impacto adicional. Mas o Brasil tem vários países em um só. Por exemplo, restaurantes que estão em São Paulo, o epicentro da crise do coronavírus, devem prever um sofrimento maior. Já o Brasil agrícola do centro-oeste não está sofrendo tanto.

O Brasil do turismo sofrerá bastante, porque a retomada do turismo será muito lenta. Cada um deve fazer um fluxo de caixa para os próximos quatro a seis meses baseado na sua expectativa, considerando comportamento do consumidor e renda e observando estabelecimentos que fecharam na região e público que ficou desassistido.

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